Domingo, dia 15 de Novembro, 17:39, quarto de hóspedes.
Thur:
Dessa vez ela não havia deixado eu dormir em seu quarto. Pra falar a verdade eu nem sabia por que estava tão bravo, deitado de barriga pra cima na cama dura do quarto de hóspedes… É claro que ela não havia deixado! Eu era um completo estranho aos seus olhos! Ela provavelmente só estava com medo de que eu a estuprasse.
O que estava me deixando desanimado de verdade era saber que eu havia pensando em um final de semana totalmente diferente do que eu estava tendo. Eu queria estar com ela, dando uma volta pela praia, comendo em algum lugar legal, passando o resto da noite em algum pub fedorento, enquanto bebíamos cerveja e ríamos. Não preso no quarto de hóspedes que cheirava a mofo enquanto ela dormia em seu quarto, sem ter a mínima ideia de tudo que nós havíamos passado juntos.
Quem eu estou querendo enganar? Eu estava puto com aquela situação. Principalmente porque a culpa fora toda minha…
Ouvi as risadas escandalosas de Taylor no outro quarto, com os amigos. Ouvia também, do outro lado, os barulhos irritantes dos jogos de Dylan, e alguns palavrões de vez em quando. Aquilo era lavagem cerebral. Se continuasse ali me mataria, sem dúvida.
Levantei-me da cama e dei algumas voltas pelo quarto. A minha vontade de fumar era tanta que provavelmente eu enrolaria orégano numa folha sulfite e me sentiria bem só com a sensação de ter algo parecido com um cigarro entre os dedos.
Saí do quarto, sentindo que as paredes se fechariam se eu não o fizesse. Caminhei pelo corredor, passando pelo quarto de Lua. A porta estava entreaberta, e não sem antes ver se ninguém estava observando, enfiei minha cabeça - e meu corpo inteiro - dentro do quarto. Ela estava esparramada na cama onde nós havíamos dormido juntos, de barriga para baixo. O quarto cheirava a cigarro.
Ótimo. Ela havia fumado. E eu não.
Sentei-me na beirada da cama, suspirando. O quarto estava escuro, embora o dia lá fora estivesse ensolarado. Sua boca estava entreaberta, e aquela cena me transportava ao fatídico dia em que ficara bêbada em minha casa e desmaiara em meu quarto. Conseguia me lembrar do diálogo que tivemos como se tivesse acontecido ontem.
- Lua? - chamei baixinho. Nada. - Lua, acorda, você precisa ir embora! - ela se remexeu. - Lu?
- Quem disse que você pode me chamar assim? - ela perguntou sonolenta, e eu sorri.
- Há quanto tempo está acordada? - perguntei.
- Há uns 15 minutos… Aliás, obrigada pelo cafuné. - ela brincou, apoiando-se nos cotovelos e olhando ao seu redor. - Seu quarto é legal. - disse, observando os pôsteres na parede.
Naquela época eu ainda não conseguia entender o porquê da minha fascinação por aquela garota. Agora eu entendia. Ela despertava o que havia de melhor em mim.
Isso pode parecer piegas, mas é a mais pura verdade.
Passei as costas da minha mão de leve por sua perna descoberta. Subi para o quadril, deslizando por suas costas. Peguei um pouco do seu cabelo entre os dedos, sorrindo. O xampu tonalizante que havia passado já estava desbotando, e seu cabelo voltava aos poucos a ser escuro e sombrio. Totalmente sexy. Era como se eu a estivesse vendo pela primeira vez, mas agora com novos olhos.
- Hm… - ela gemeu, e eu soltei seu cabelo na mesma hora. - Só mais cinco minutos… - murmurou, virando-se. Assim que seus olhos encontraram os meus ela ficou estática, respirando fundo.
Ficou um bom tempo me olhando, sem expressão, e eu comecei a pensar que ela viraria a cabeça em 360 graus e gritaria em latim que era a encarnação do mal. Sério.
- Lua, tá tudo bem? - perguntei, assim que ela respirou fundo como se não respirasse direito há 17 anos. Ela fechou os olhos, colocando as mãos na cabeça.
cap 99
Domingo, dia 15 de Novembro, 17:47, quarto de hóspedes.
Lua:
E de repente, como um raio, tudo voltou à minha cabeça. Como se nunca tivesse saído dali. Absolutamente tudo. Nosso primeiro contato - sem ser aqueles em que ele me perguntava se a professora de artes estava solteira -, o pedido, a troca de favores, os beijos, as brigas, o castigo, a traição, o pedido de desculpas, os momentos engraçados, os momentos tristes, a banda, o sucesso, o baile, a dança, a briga… Tudo.
Agora eu entendia por que minha mãe estava sendo tão boazinha comigo.
Thur estava sentado na beirada da minha cama, me olhando de um jeito esquisito. Aqueles olhos castanhos me davam uma sensação tão boa, e agora tudo fazia sentido. Eram os olhos castanhos que eu amava.
Abri a boca para contar que havia me lembrado, que eu estava de volta à ativa, mas então eu parei no meio do caminho.
Não seria divertido fazê-lo sofrer um pouquinho? Quero dizer, ele havia beijado Pérola e dito que não era a porra do meu namorado na frente de 500 pessoas. Eu podia sentir nitidamente a mágoa que sentira ao ouvi-lo dizer aquilo. Será que não era a hora de uma pequena vingança?
Além do mais, seria fofo vê-lo meio desamparado. Afinal, eu tinha batido a porra da cabeça por sua culpa! Poderia ser malvada. Tinha o direito de ser malvada. Não tinha?
- Eu tô bem, só senti minha cabeça latejar um pouquinho… - menti. - O que você está fazendo no meu quarto?
- Ah, eu estava… Bom, eu estava meio entediado no meu quarto e resolvi te ver. - ele sorriu, tímido. Finalmente eu iria conhecer as técnicas de conquista de Arthur Aguiar. Ele nunca chegou e flertar comigo e demonstrar interesse. Nosso rolo foi se enrolando enquanto o tempo passava, e eu nunca tive a chance de ser devidamente cortejada por ele.
Mal podia esperar!
- Ah… Bom, me desculpe por isso. - suspirei, ajeitando-me na cama. - Mas eu não pedi para você ficar, você poderia ter ido embora com os outros.
- Eu sei, eu sei… - ele deu de ombros. - Mas eu quero tanto estar com você quando as memórias voltarem que eu simplesmente não consegui voltar ao Rio. Desculpe-me.
- Sem problemas. - sorri, e ele ficou um bom tempo analisando minha boca. - E se eu não me lembrar?
- Hã? - ele pareceu sair de um transe hipnótico, subindo os olhos.
- E se eu não me lembrar? O que você vai fazer? - repeti.
- Eu não parei pra pensar nisso… - ele murmurou, sua voz saindo firme e baixa.
- Ah… - suspirei, tentando passar um ar de decepcionada, o que funcionou, pois ele logo completou:
- Acho que eu vou ter que te conquistar de novo, não? - perguntou, um sorriso tímido brotando em seus lábios.
Eu teria milhões de frases na ponta da língua para quebrar suas pernas. Mas não consegui dizer. Não diante daqueles olhos castanhos profundos e tristes. Então ao invés de ser malvada, eu só respondi:
- É. Acho que sim.
Então virei-me para o lado e fingi voltar a dormir.
cap 100
Domingo, dia 15 de Novembro, 19:13, quarto de hóspedes.
Thur:
Ela simplesmente dormiu. Simplesmente… Dormiu! Quero dizer, ela não disse um “boa noite, Thur” ou, sei lá, um reles “falou, mano!”. Ela só virou pro lado e dormiu.
Fiquei uns bons quinze segundos olhando pro seu cabelo até perceber que, sim, ela havia me ignorado completamente. Bufei, puxei meu iPhone e fiquei jogando. Não iria sair dali, não mesmo. O quarto de hóspedes cheirava a atum.
Passei alguns minutos me divertindo, até que ela levantou a cabeça e suspirou.
- Perdi o sono. - comentou.
- E eu perdi o jogo. - disse, enfiando o celular no bolso. - Somos dois perdedores. Quer fazer alguma coisa?
- Tipo…?
Ele pegou minha mão e saiu para o corredor. Seus irmãos barulhentos estavam um pouco mais quietos, e eu pude ouvir a risada escandalosa de sua mãe no quarto.
Descemos a escada - ela infelizmente havia soltado a minha mão - e fomos até a cozinha, saindo pela porta dos fundos para a piscina.
- Eu nem sei por que uma pessoa em sã consciência tem uma piscina,já que tem um Mar inteiro bem na frente de sua Casa… - ela suspirou. - Só para mostrar que tem dinheiro. Coisa imbecil…
- Meus pais têm uma piscina… - murmurei. - Na Suécia…
Lua me olhou com um misto de arrependimento e divertimento. Optou por deixar o divertimento falar mais alto, e gargalhou; pude ver o sininho da sua garganta, e aquilo me fez rir também.
- Ah, meu Deus… Nossos pais são patéticos… - ela suspirou, sentando-se na grama molhada. O Sol já havia se escondido, e o céu estava de um azul escuro. Lua estava bem agasalhada, com um blusão masculino de frio e calça jeans.
- Como pode dizer isso? Lembrou-se dos meus pais? - perguntei, estranhando aquele comentário.
- Não! - ela exclamou, rindo de um jeito meio forçado. - Mas ninguém pode não ser patético e ter uma piscina na Suécia! Certo?
- É… Faz sentindo… - dei de ombros. - Meus pais… Não são as pessoas mais legais do mundo.
- Eles deixam você morar numa casa sozinho com outros três garotos, ter uma banda e ser vagabundo!? - ela perguntou mais num tom acusatório do que questionativo. - Nossa, eles devem ser chatos mesmo…
- Se meus pais não são ruins, sua mãe também não é! - exclamei um pouco ofendido. Meus pais eram ruins sim! - Quero dizer, ela gosta muito de você, só quer o seu bem, apesar de tudo…
- O único interesse da minha mãe é crescer na alta sociedade. - ela disse amarga. - O baile idiota é uma prova disso.
- Você… Você se lembra do baile? - perguntei. Ou ela estava tendo lapsos de memória ou era paranormal.
- Minhas amigas me contaram do baile. Lembra? - ela perguntou como se fosse óbvio demais.
É, talvez eu estivesse ficando louco…
Talvez não.
- Mas me diz, agora que você não me conhece, eu sou o babaca que você pensou que eu fosse? - perguntei, mudando do assunto pais, pois não era o assunto mais agradável para mim.
- É. - ela sorriu. - Um babaca… Gente fina.
- Uou! Seu primeiro elogio! Estamos evoluindo! - baguncei seu cabelo com delicadeza para não bater no machucado.
- Não se empolgue muito com isso. - ela virou os olhos. - Bem que a gente podia fumar um cigarro, né? Estou louca por um…
- Se você for fumar, fume longe de mim. - pedi um pouco decepcionado com aquela atitude. Havia dito que não fumaria enquanto ela não recobrasse a memória. Estava fazendo algo nobre pela minha namorada-de-mentirinha e ela não estava agindo de maneira muito digna, fumando escondida em seu quarto e querendo fumar novamente na minha frente.
- Ah, qual é, quebre essa promessa! - ela pediu, me chacoalhando de um lado para o outro.
- Não. Desista você vai me fazer passar para o ladro negro da força.
- Merda. Arranjei um falso namorado boiola. - ela suspirou, mexendo no curativo do machucado. Dei umas batidinhas de leve na minha perna engessada.
- Não sou um namorado falso. - murmurei. - Fui um namorado muito legal pra você…
- Ah é!? Nós éramos namorados de verdade? - ela perguntou, segurando uma risadinha.
- Eu queria, mas não tinha coragem. - admti. - Você pode ser bem assustadora quando quer.
Lua ficou séria de repente, se perdendo na imensidão do céu. Seus olhos rápidos pareciam contar estrelas.
- O que foi? Falei algo errado?
- Não… Eu só queria não ser assim, tão fria. - ela murmurou, falando mais consigo do que comigo. - Eu sinto, eu tenho a capacidade de sentir, só não me sinto muito confortável em expressar o que eu estou sentindo. As pessoas parecem não entender isso.
- Eu entendo isso. - dei de ombros. - Se não entendesse nunca teria me apaixonado por você.
Ela sorriu de leve, mordendo o lábio inferior. Até que meus xavecos estavam funcionando com ela, coisa que pensei que nunca fosse acontecer. Claro que nem tudo era xaveco, e eu falava com sinceridade, mas nunca perderia meu jeito, digamos, galanteador de ser.
- Os rumores estavam certos. Você é mesmo um xavequeiro. - ela disse, como se pudesse ler meus pensamentos.
- Não estou xavecando, estou falando a verdade. - “e não sabe o que eu daria para ter um beijo seu agora…” pensei.
- Hã!? - ela virou o rosto pra mim, perplexa.
Porra, pensara alto demais.
- Nada. Quer entrar? Tá meio frio aqui? - perguntei, mudando mais uma vez de assunto.
- Não, tá gostoso. Aquele quarto tá quente demais! Mas me diz, como um cara como você foi gostar de uma menina como eu?
- Acho que foi o The Clash. - dei de ombros, e ela riu. - Lembra?
- Ah, sim… - ela foi dizendo, mas ficou quieta. Depois de alguns segundos de tensão ela desatou a rir. - Claro que não me lembro, Aguiar! Eu perdi a memória, tá esquecido disso?
- Hm… - pigarreei, meio desconfiado. Aquilo estava ficando meio esquisito.
- O que tem o The Clash?
- Você gosta de The Clash. Acho que me apaixonei por você no exato momento em que você cantou London Calling no meu carro, um dia que eu estava te levando de volta pra casa. Foi totalmente sexy.
- O que tem de sexy em London Calling!? - ela perguntou, rindo.
- Ah, sei lá. Você já é sexy, cantando The Clash foi sexy ao cubo. - ela fez uma cara de quem não caía na minha conversa. - É sério, você é muito sexy! Tenho certeza que todos os caras maus da escola batem uma pensando em você…
- Ah, Arthur! Que nojo! - ela exclamou, mostrando a língua.
- Inclusive eu… - sussurrei, e ela me deu um tapa no ombro. - O quê!? Eu não disse nada!
- Nojento.
Ela deitou a cabeça com cuidado no chão e ficou observando as poucas estrelas que se formavam no céu. Deitei-me ao seu lado.
- Você sempre foi o cara mais lindo do colégio. - ela admitiu, meio a contragosto. - E eu estava sempre dizendo o quão patético você era, mas no fundo eu só sentia um pouco de inveja de todas aquelas garotas que se gabavam por estar com você, dizendo o quão romântico e engraçado você era. Eu me sentia meio mal, porque nenhuma das garotas daquele colégio passava despercebida pra você, só eu. E minhas amigas.
- É, eu sei ser bem babaca quando eu quero. - foi minha vez de admitir. - Eu nunca tive nada contra você e suas amigas. Era uma questão de sobrevivência, entende? Pra falar a verdade, eu sempre admirei sua inteligência. Sempre que aquelas listas dos melhores alunos saíam, eu tinha certeza que você estaria em primeiro. Nem me pergunte por que, afinal, eu nem te conhecia direito.
Ela tossiu de leve, envergonhada.
- Obrigada. Acho que inteligência compensa beleza.
- Acho que você não precisa compensar nada. Já é abençoada com todas as boas qualidades. Inclusive o sexy appeal.
- Babaca. - ela murmurou, e nossos dedos se encostaram na grama.
- Linda.
- Canalha.
- Sexy.
- Cego.
- Sem auto-estima.
- Sem senso crítico.
- Posso te beijar?
- Pode.
cap 101
Domingo, dia 15 de Novembro, 19:57, beirada da piscina.
Lua:
Bom, claro que aquilo não era minha intenção. Não era do meio feitio ser tão fácil assim, levando em consideração que eu deveria dar a entender que o odiava. Mas quer saber de uma coisa? Foda-se. Ele estava ali, eu estava ali, e nós tínhamos uma tensão sexual tão grande que eu provavelmente teria o agarrado se ele não tivesse sido mais rápido.
Decidi que assim que o beijo acabasse contaria a ele sobre minha memória. Mas meu plano não deu muito certo, porque eu simplesmente não conseguia parar de beijá-lo! E ele parecia na mesma.
Sua língua era tão quentinha, doce… Sua mão apertando minha cintura era um contraste ao beijo delicado, e eu sentia meu corpo pegar fogo. Sem que eu nem me desse conta, ele enfiou a mão embaixo do meu blusão, e apoiou a outra em minhas costas. Aproximei-me dele, embaralhando as duas mãos no seu cabelo fino e gostoso. Seu cheiro, uma mistura da sua própria essência com desodorante, estava me deixando louca. Ele me deixava louca. Tão louca que assim que nós paramos o beijo decidi que não contaria a ele das minhas lembranças recuperadas. Pelo menos ainda não.
- Eu… Eu nem te conheço… - menti, deixando nossas bocas a milímetros de distância.
- Prazer, Arthur Aguiar. - ele sussurrou, com um pouco de pressa para juntar nossos lábios novamente. E foi o que ele fez.
Ficamos um tempão nos beijando na piscina, só parando ao ouvir risadas da minha mãe na cozinha. Arthur tirou as mãos de dentro da minha blusa rapidamente e eu soltei a barra da sua calça, sentando-me. Minha mãe avisou que pediria pizza e entrou em casa. Entreolhamos-nos e subimos para o quarto.
Ficamos em meu quarto nos agarrando por mais um tempo - e quando eu digo agarrando, eu falo sério - até que as pizzas chegaram. Descemos, comemos, ficamos um bom tempo conversando com minha família e subimos com a desculpa de que iríamos dormir.
Ficamos a noite inteira acordados.
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