Sábado, dia 14 de Novembro, 13:37, salão.
Thur:
Patético. Aquilo era patético. Eu me sentia patético. Incrivelmente patético. Patético, patético, patético.
Bufei, pelo que parecia ser a vigésima sétima vez.
- Querido, pare de se mexer ou eu vou te machucar! - a senhora de uns 50 anos à minha frente pediu, apontando com os olhos para o alicate em sua mão.
Olhei para o lado, ainda não me conformado que aquilo estava mesmo acontecendo - e pedindo a Deus para que nenhum dos guys soubessem daquilo - e avistei o padrasto de Lua sair de outra sala com um cara todo de branco atrás de si.
Quando ele me oferecera a massagem fiquei tentado a aceitá-la, mas depois descobri que era feita por um homem e dei uma desculpa qualquer, recusando o convite. Era um cara! Suas mãos eram peludas! Pelo amor de Deus!
Ele acenou para mim com a cabeça entrando em outra sala para hidratar o cabelo.
Aquele lugar me dava náuseas.
Bufei mais uma vez.
- O que te incomoda, querido? - a senhora perguntou, sem tirar os olhos atentos das minhas mãos cascudas.
- Nada… - menti. Na verdade, o que eu mais queria era gritar para ela que o fato de estar fazendo as unhas me incomodava, o fato de estar em um salão de belezas me incomodava e, acima de tudo, o fato de que a garota que eu amava parecia não sentir o mesmo por mim me incomodava, mas não seria uma coisa muito legal de se dizer. Principalmente porque duas das coisas que me incomodavam eram relacionadas a ela.
- Bom, se quiser me contar, estou a sua disposição. - ela ofereceu, sorrindo.
Olhei para os dois lados, sentindo minha língua formigar.
“Não! Pare com isso, Thur! Você é homem, e não vai contar seus problemas a uma manicure, como uma garotinha indefesa e sem auto-estima!” pensei, mordendo a bochecha com força.
- Agarotaqueeuamonãomeama. - soltei de uma vez, sentindo um alívio no peito.
A manicure continuou séria, trabalhando em minha mão, e por um instante pensei que ela não tivesse ouvido. Preparei-me para repetir, quando ela me cortou com uma pergunta:
- Como você pode ter certeza? Ela chegou a dizer que não te ama?
- Hm… Não, mas eu já disse que a amo duas vezes e nas duas vezes ela deu um jeito de fugir do assunto. Hoje, por exemplo, ela ficou muda por um bom tempo, me olhando com cara de pastel, e quando eu pedi que dissesse alguma coisa ela fingiu se assustar com a sua mãe, que gritou pela escada que o almoço ia esfriar. - respondi, tentando convencê-la de algo que nem eu tinha certeza. Não sabia se ela me amava, mas também não podia afirmar que ela não gostava nem um pouco de mim. Afinal, depois de tudo que tinha feito para me ajudar…
- Se é esse seu problema, faça ela dizer que te ama. - ela aconselhou, olhando para mim pela primeira vez, por cima da armação dos óculos de gatinha. - Como fazer isso? Só você sabe.
cap 88
Sábado, dia 14 de Novembro, 18:48, baile.
Lua:
- Finalmente! - exclamei, levantando-me da cadeira. Minha bunda estava quadrada e formigando. Virei-me para o espelho e sorri, maravilhada. Todo o trabalho tinha valido a pena. Hugo, o cabeleireiro, havia transformado meu cabelo sem graça num emaranhado de cachos rebeldes. A maquiagem era bem escura, mas suave ao mesmo tempo. Sombra dourada e preta nos olhos, blush pêssego e a boca rosa.
Se Thur me ouvisse descrevendo uma maquiagem, ficaria orgulhoso de mim!
- Você está uma gata, Lua! - Hugo exclamou, afetado.
- Lindíssima! - minha mãe comentou, sorrindo. Ela já estava com o seu vestido longo e lilás, e nós já estávamos um pouco atrasadas. Meu padrasto havia ligado minutos antes para avisar que já estava no restaurante do hotel onde o baile aconteceria, e eu só queria sair logo dali e encontrar Thur de smoking, totalmente sexy, só meu.
Era o que eu mais queria!
- Bom, agora, o mais importante! - ela exclamou, correndo até a outra sala. Voltou dois segundos depois com o misterioso vestido curto. Ela havia passado a tarde inteira me cutucando, dizendo quão lindo o vestido era, e eu já estava mais do que curiosa para finalmente vê-lo. Mas não esperava pelo o que estava por vir e deixei meu queixo cair quando ela abriu o zíper da capa.
Era incrivelmente estonteante e completamente abusado! Eu não conseguiria usar aquele vestido! Era curto demais! O que Thur pensaria ao me ver com aquele vestido? Se ele ao menos conseguisse pensar com a cabeça de cima ao me ver com ele! Onde minha mãe estava com a cabeça? O vestido era lindo, mas não era minha cara. Aliás, era bonito demais para mim…
- Mãe! - exclamei, horrorizada. - É curto demais!
- Ah, Lua, vamos lá, seja ousada uma vez na vida! - minha mãe incentivou, e o cabeleireiro,Hugo, concordou com a cabeça. - Thur nunca mais vai ficar longe de você ao te ver com esse vestido!
Virei os olhos. O vestido seria perfeito para uma patricinha, coisa que eu nunca fora. Meu negócio sempre fora guitarras e desafios matemáticos. Bonecas e maquiagem estavam sempre em segundo plano. Aquilo era o total contraste da minha personalidade!
Engoli meu orgulho e fui até a sala ao lado me vestir. Tirei minha saia jeans branca e minha regata verde - que Thur havia me orientado a usar de manhã e minha mãe suspirara de prazer ao me ver usando alguma cor sem ser preto uma vez na vida - e joguei as peças no chão, colocando o vestido com cautela para não estragar meu cabelo e maquiagem. Fechei o zíper com cuidado, enfiei-me na meia-calça e calcei os sapatos. Olhei-me no espelho, contrariada.
Arregalei os olhos.
Aquela era eu refletida no espelho? Quando eu havia ficado… Bonita?
- Saia, saia, nós queremos ver! – Hugo exclamou, girando a maçaneta.
Saí da sala ainda meio fora de órbita, e fiquei algum tempo ouvindo Hugo e minha mãe exclamarem o quão linda eu estava. Era estranho, mas eu me sentia mesmo linda! Alguma coisa naquele vestido, na atmosfera, dentro de mim, tinha mudado. E a sensação era boa.
Olhei-me novamente no espelho, agora hipnotizada, enquanto minha mãe andava frenética pelo salão, capturando nossas coisas espalhadas. Não conseguia acreditar que aquela era… Bom, eu! Com certeza se aquilo estivesse rolando duas semanas antes, eu estaria surtando, doida para arrancar aquele vestido idiota e colocar algum blusão confortável, batendo boca com a minha mãe enquanto ela se lamentava por não ter a filha que havia pedido a Deus.
Só que eu não estava com vontade de fazer nada daquilo.
Não naquele momento.
- Vamos, filha, já são quase sete horas e nós ainda precisamos fazer uma social. - minha mãe comentou, passando o cartão para pagar Hugo. Concordei com a cabeça e me despedi de todos, animada. Sim! Eu estava animada! Para um baile idiota!
Entramos no táxi e minha mãe pediu para que o motorista fosse voando. Ela foi o caminho inteiro falando ao celular com meu padrasto, pois Taylor estava dando trabalho. Ele queria ir embora pra ir a uma festa com os amigos, que não paravam de ligar, e meu padrasto não sabia o que fazer. Minha mãe então teve que ficar o caminho inteiro convencendo-o a ficar pelo menos até a valsa, em que eu dançaria com Thur.
Sorri ao ouvir aquilo. Havíamos treinado algumas vezes a temida valsa, mas eu sempre acabava pisando em seu pé ou miando a dança para fazer alguma coisa mais interessante, então tinha certeza que a tão esperada valsa seria um fiasco. Mas pelo menos nós iríamos nos divertir e rir bastante.
Finalmente chegamos ao salão. As amigas da minha mãe a esperavam na porta com suas filhas entediadas, que conversavam entre si. De imediato soube que odiaria todas elas, mas tentei ser simpática, cumprimentando-as com beijinhos no rosto e sorrisinhos falsos. As amigas da minha mãe elogiaram meu vestido com uma pontinha de inveja, e eu agradeci, morrendo de frio com os ombros nus, rezando para que elas parassem de falar e entrassem logo na porra do salão. Quanto mais rezava, mais elas demoravam, e eu tinha certeza que entraria em colapso quando uma delas sugeriu que toda nós entrássemos. Virei os olhos, aliviada, e as segui. Ao entrar no salão, um calor aqueceu minha pele e coração.
Procurei Thur com os olhos e não o encontrei. Avistei nossa mesa, onde Dylan jogava game-boy e Taylor falava ao celular, ignorando meu padrasto, que bebia seu whisky distraído.
- Meninas vou animar um pouco o Luciano, nos falamos depois! - minha mãe brincou, indo até a mesa. Fui atrás dela sem me despedir e, ao chegar, Taylor desligou o celular e ficou me olhando boquiaberto. Dylan não se deu ao trabalho e continuou a jogar.
- Está muito bonita, Lua! - Luciano comentou, sorrindo.
- Obrigada. - sentei-me ao lado de Taylor, que ainda não havia tirado os olhos de mim. - Onde está o Thur?
- No bar. - Taylor murmurou.
Era de se esperar que Thur estivesse no bar…
- Bom, vou atrás dele. - anunciei, levantando-me. Assim que o fiz, reparei que metade do salão se virou para me olhar. Pela primeira vez na vida eu não passei despercebida. E quer saber de uma coisa? Eu gostei da sensação.
Caminhei por entre as mesas, sob cochichos de que eu era a ausente filha de Adriana e comentários invejosos sobre o meu vestido e aparência. Não que eu me importasse, eu era sempre o alvo de comentários… Na escola, então, sem comparação! Uma nerd punk e agora suposta namorada de Arthur Aguiar? Uou! Eu era o assunto do momento! Mas aqueles comentários não eram de desprezo, eram de pura inveja, e pela primeira vez na vida eu me senti alguém importante.
Cheguei ao bar, decepcionada por não encontrar Thur. Onde ele estaria? Pelos cantos com alguma das filhas vadias das amigas de minha mãe? Meu sangue borbulhava só de pensar naquilo… Mais uma mancada e Thur poderia me esquecer pra sempre. E eu não estava brincando.
Bom, já que estava por lá mesmo…
- Uma Cuba Libre, por favor. - pedi ao barman, que foi preparar minha bebida. Sentei-me nos banquinhos altos de couro do bar e olhei em volta. Thur não estava em lugar nenhum! Senti um misto de sentimentos ruins…
Peguei minha bebida das mãos do barman e tomei um longo gole por que aquela seria uma longa noite…
cap89
Sábado, dia 14 de Novembro, 19:12, baile.
Thur:
Merda de zíper idiota! Merda de terno idiota! Merda de unhas idiotas! Merda de baile idiota!
Dei um chute na porta, depois de passar mais de quinze minutos lutando com minha roupa. Depois de mijar, a porra do zíper não queria fechar, a porra da manga do terno ficou toda molhada quando eu fui lavar a mão, as porras das minhas unhas lixadas eram o motivo de comentários dos caras no banheiro e aquela porra de baile idiota era o motivo de todas as minhas frustrações.
Qual era o sentido de eu ao menos estar ali se Lua não estava!? E eu ainda tinha que aguentar as reclamações de um pré-adolescente cheio de hormônios e as palestras sem fim de um velho frustrado! A minha noite não podia ser pior! Ah, mas é claro que podia… Eu descobri que meus amigos estavam vindo ao baile. Sim, isso mesmo! Eles não conseguiam esperar para comemorar o futuro do Phoenix e estavam chegando para surpreender Lua. O que eles não haviam entendido ainda era que aquela festa era particular e restrita, e eles não poderiam agir como sempre agiam em festas: Enxer a cara e destruir as coisas. Aquilo simplesmente ia arruinar minha vida!
Saí do banheiro puto. Mas meu ódio passou em dois segundos, ao avistar a garota mais linda da festa no meio da pista de dança. Lua.
Deixei meu queixo cair lentamente.
Ela usava um vestido curto de um ombro só estampado, meia calça cinza degradê, acabando no azul, com um sapato estilo boneca trançado na frente, com o salto trabalhado. Seu cabelo estava metade preso metade solto, com um pequeno topete feito com a franja. Ela estava com um copo na mão, bebendo vagarosamente um líquido escuro enquanto dançava sozinha ao som de Lady Gaga, atraindo todos os olhares.
Desde quando Lua dançava? Desde quando Lua dançava Lady Gaga?
Sorri sozinho e fiquei observando, com medo de que aquilo não fosse verdade. Com medo de que ela não fosse minha, e só minha.
Minha punk nerd do satã. Minha capeta em forma de guria. Minha osso duro de roer.
- Vai ficar aí parado ou vai até lá, Thur? - a voz de Adriana ecoou em meu cérebro. Não desviei os olhos de Lua nem por um segundo.
- Ela está linda… - balbuciei, como um idiota.
- Ela sempre foi linda. - ela comentou, com a voz meio embargada. Forcei-me a desviar o olhar, observando lágrimas se formarem embaixo dos olhos de Adriana. - É uma pena que nós nunca nos demos bem…
- Não foi o que me pareceu esses dois dias em que eu passei com vocês. - respondi simplesmente.
Adriana sorriu, ainda com as lágrimas embaixo dos olhos.
- Espero que nossa relação esteja mudando. E se isso acontecer, vou dever tudo a você, querido. - ela afagou meu cabelo, como se eu fosse uma criancinha indefesa. - Obrigada por transformar minha garotinha em uma mulher mais feminina e menos… Dura.
Sorri. “Só na aparência,Adriana, só na aparência…”.
Não respondi nada, ainda olhando para Lua. Obedecendo o conselho de sua mãe, que continuou parada olhando para sua filha com carinho, caminhei por entre as mesas até o centro do salão. Quanto mais perto eu chegava, mais ela ficava gostosa. Sério.
Cheguei por trás - sem nenhuma malícia, que fique bem claro - e a abracei. Ela tomou um susto e se virou, batendo seu nariz no meu.
- Thur! Que susto! - exclamou, rindo. - Finalmente, pensei que você tinha fugido…
- Fugir? Depois de até tomar banho para vir ao baile? Nunca! - brinquei, envolvendo sua cintura. Ela encaixou os braços em meus ombros e nós ficamos balançando de acordo com a melodia da música.
- Percebe-se… - ela cheirou meu pescoço. - Estou sentindo falta do cheirinho de cigarro…
- Não seja por isso… - comentei, pegando sua mão e colocando-a dentro do meu terno. Ela riu ao sentir o maço de cigarros e voltou o braço para a posição inicial, encostando a testa na minha.
- Sabia que de pertinho eu posso ver umas pintinhas dos seus olhos? - ela perguntou, mordendo o lábio inferior.
- Linda. - respondi, beijando a ponta do seu nariz. - Você é linda, linda, linda.
- Engraçado, há umas duas semanas atrás você não diria isso. - ela brincou, e eu fiz uma careta.
- Há duas semanas atrás eu era um babaca.
- Que bom que admite.
- Boba.
- Idiota.
- Chata.
- Imbecil.
- Maravilhosa.
- Lindo.
Ficamos em silêncio, nos olhando, para logo em seguida cair na risada. Uma música do Frank Sinatra começou a tocar, animando a velha guarda da festa, que veio toda para a pista de dança. Rimos mais um pouco com aquela cena, e continuamos abraçados, dançando. De vez em quando ela fazia comentários engraçados das pessoas, me fazendo rir, e aquele momento estava sendo ótimo. Sabe como é, ela estava incrivelmente gostosa, e entre todos os caras naquela festa, era a mim que ela estava abraçada.
Fuck yeah!
- Lua, sua mãe me pediu para avisá-la que você tem que ir se trocar! – Luciano veio até nós com outro copo de whisky nas mãos, e Lua assentiu com a cabeça, sem virar os olhos, como pensei que faria.
- Vai lá, gata, e coloque todas as outras garotas daqui no chinelo! - incentivei, assim que ele foi embora.
- Se eu não cair ao descer as escadas… - ela gemeu, e eu apertei mais o abraço.
- Não se preocupe com isso. Vai dar tudo certo!
- Não é isso que me preocupa. - ela respondeu, apoiando a cabeça em meu ombro. - Eu só queria que essa noite nunca acabasse…
- Ela não precisa acabar. - afaguei suas costas. - Se depender de mim ela vai durar pra sempre.
- Espero que você esteja falando sério, Thur. - ela ficou repentinamente séria. - Porque eu não sei se aguentaria me magoar novamente.
- Confie em mim. É a única coisa que eu te peço. Eu vou te mostrar que eu posso ser diferente, que eu posso te fazer feliz. - peguei suas mãos, entrelaçando-as com as minhas. - É uma promessa.
- Igual a que você fez à Pérola? - ela perguntou, sentida.
- Não, porque o que eu cheguei a sentir pela Pérola não chega nem aos pés do que eu estou sentindo por você agora, Lua. Você me ensinou a ser uma pessoa diferente, me ensinou a amar… - beijei sua testa de leve. - Essa é uma promessa feita à garota que eu amo.
Lua afundou a cabeça no meu peito, respirando fundo. Depois separou o abraço, um pouco relutante, me deixando no meio do salão.
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